A Revolução Constitucionalista que neste mês de julho completa 91 anos foi um dos mais importantes e dramáticos acontecimentos da história republicana brasileira. Esse conflito mobilizou todo o estado de São Paulo, que se uniu em defesa da Lei e pela reconstitucionalização do país.
Piquete, a exemplo de outras cidades valeparaibanas, foi palco desse movimento revolucionário que transformou o cotidiano dessa pacata cidade operária, que contava, por essa época, com pouco mais de dois mil habitantes.
Militarmente analisando, a importância de Piquete nesse conflito se deve, em primeiro plano, à instalação, no município, da Fábrica de Pólvora sem Fumaça, considerada de grande valor para ambos os comandos beligerantes. Para São Paulo, bloqueado por terra e mar por tropas federais, a Fábrica era garantia do suprimento de pólvora para munição; para a ditadura Vargas, representava economia na importação e, acima de tudo, privação de São Paulo de seus recursos. Em segundo plano, estava a localização do município que mantém ampla fronteira com Minas Gerais e que, do início da guerra até 12 de outubro, constituiu o extremo esquerdo da linha de defesa da 2ª Divisão de Infantaria em Operação do Exército Constitucionalista, protegendo a Fábrica e impedindo o avanço de tropas mineiras para a região do Túnel, na Estrada de Ferro Cruzeiro – Passa Quatro. Nessa condição de proteção do flanco esquerdo da 2ª D.I.O., a luta em Piquete foi travada no topo da Serra, em direção a Minas Gerais.
A Revolução Constitucionalista eclodiu em São Paulo na noite de um sábado, 9 de julho. No dia seguinte, o coronel José Pompeu de Albuquerque Cavalcanti, diretor da Fábrica, recebeu ordem do Ministro da Guerra para averiguar a situação do conflito em Piquete. Em contato com o coronel José Joaquim Andrade, do 6º R.I., que se encontrava em Lorena comandando as forças que se concentravam no Vale do Paraíba, fica sabendo da Revolução e de seus desdobramentos. Pompeu Cavalcante decide, juntamente om sua oficialidade, não aderir ao movimento paulista. A produção da Fábrica é interrompida, mantendo-se apenas as atividades de manutenção, e o operariado é dispensado. Como não tinha como esconder a quantidade de pólvora estocada nos paióis, vê-se obrigado a atender, sob protesto e por meio de cautela, aos pedidos, tanto de pólvora quanto de armas e insumos, dos revoltosos. Foi preso, então, em sua residência, na Vila da Estrela, bem como os demais oficiais. Com a evolução do conflito, o primeiro-tenente Bibiano Dale Coutinho adere à Revolução, seguido por grande parte do operariado e mestres. Mais tarde outros três oficiais também iriam aderir.
Do lado do Exército Federal, o coronel Eurico Gaspar Dutra, comandante do 4º R.C.D. de Três Corações, recebe, no dia 12 de julho, um telegrama do Estado Maior, em Juiz Fora, em que pede que se faça reconhecimento da Fábrica de Piquete e que, caso esta estivesse desocupada, ocupá-la e organizar sua defesa. Se ocupada, vigiá-la e informar com urgência e dar conhecimento ao coronel Eugênio Trompowski, em Pouso Alegre. De imediato, Dutra enviou para a serra, em Piquete, tropas do 10º R.I. de Juiz de Fora sob o comando do major Pedro Penedo Pedra, que instala seu Posto de Comando no alto da serra, na Barreira e passa a observar a Fábrica.
No dia 16 de julho, patrulhas mineiras descem a serra chegando bem próximo à Fábrica, de onde são rechaçados a tiros por soldados do 6º R.I. No dia seguinte, é organizado em Piquete o destacamento coronel Abílio P. Rezende, com o II e III batalhões do 6º R.I., 4º R.C.D. e 1º B.C.P. da Reserva. No dia 20, o coronel Abílio tem em Piquete cerca de 1400 soldados com batalhões comandados pelos capitães Agnelo Caiado de Castro e Marco Antônio. As linhas avançadas do Exército Constitucionalista se posicionaram entre os picos do Focinho do Cão, Cabrito, Ataque e no Pico dos Marins, à direita para o lado do túnel, em Cruzeiro, local onde seriam travados grandes embates.
Na serra do Piquete, os encontros entre as patrulhas tornam-se frequentes. A população da cidade, assustada com os sobrevoos dos aviões ditatoriais e os constantes sons de bombas, tiros, explosões e metralhadoras, foge para a zona rural em busca de segurança. Piquete, esvaziada, tem suas ruas percorridas por tropas, que se dirigem à Mantiqueira. Trincheiras são abertas e canhões posicionados. Prédios públicos e residências particulares são tomados e transformados em postos de comando, Café do Soldado, postos de saúde, correios etc.
Da Barreira, local em que se encontrava instalado o comando federal, partem soldados que se posicionavam em lugares privilegiados, a partir de onde observavam toda a movimentação em Piquete e na Fábrica. Apesar de bem instalados e seguros, no dia 20 de julho ocorreu o maior conflito na região, muito noticiado pelos jornais paulistas, que será sempre lembrado como um grande feito dos soldados constitucionalistas. Na região do Pico do Cabrito, próxima ao Sanatório Militar, as tropas constitucionalistas foram fortemente atacadas pelo 10º R.I. de Juiz de Fora. A ofensiva ditatorial foi violenta. Sob fogo cerrado, os soldados paulistas, após hábil manobra de envolvimento, obrigou o comandante das forças adversárias a pedir trégua, a fim de um entendimento. Terminado o prazo, os adversários reiniciaram, inesperadamente, intenso tiroteio com peças de artilharia e metralhadoras. Apesar da surpresa, o soldado paulista respondeu ao ataque com determinação e êxito. Os capitães Caiado de Castro e Marco Antônio e o tenente Meireles, comandantes das forças constitucionalistas, conseguiram, numa arrancada, numa carga de baioneta verdadeiramente épica, colocar em fuga desordenada todo o 10º R.I.. Foram feitos 35 prisioneiros, dentre os quais um oficial. Apreendidas duas peças de 75 mm, doze metralhadoras, 55 mil tiros e inúmeros fuzis, além de trens de cozinha, padiola e demais aparelhamentos do corpo de saúde. Também barracas, capotes e talabartes de oficiais. Uma precipitada debandada.
Esse episódio foi também narrado em um relatório pelo coronel Eurico Gaspar Dutra, comandante de um destacamento do 4º D.I. enviado para a frente de Piquete. Havia a necessidade se se conhecer a situação, para o caso de se enviar seu regimento para aquele setor. Atendia a um pedido do coronel Trompowski, que se encontrava em Itajubá, no qual narra que as tropas federais, na serra do Piquete, estavam sendo fortemente atacadas e pede que Dutra se deslocasse com brevidade em socorro do batalhão Pedra.
Dutra, ao chega a Itajubá Velho (Delfim Moreira), tenta se comunicar com o P.C. do major Pedra, na Barreira, mas não consegue contato. Diante disso, dirige-se pessoalmente à Barreira. Mal havia saído de Itajubá Velho, encontra diversos soldados do 10º e do 11º R.I. que haviam se retirado da frente de combate. Em seguida, cinco oficiais e outros soldados são encontrados na mesma situação. Em vão, procurou reunir esses elementos, mas, todos, verdadeiramente extenuados e apavorados, protestavam para não enfrentar novamente os adversários. Diziam que o P.C. do major Pedra havia sido violentamente atacado e que, após tenaz resistência, a força que lá se encontrava se viu obrigada a se retirar. Não sabiam informar o paradeiro do major e nem o destino que tomaram as tropas mais à frente. À vista disso, o coronel Dutra aguarda em Itajubá Velho a chegada do 4º D.I.. Durante toda aquela noite, vão chegando diversas turmas de soldados. Todos davam as mesmas razões para justificar a retirada. No dia 26 de julho, pela manhã, Dutra marchou com o regimento para a serra do Piquete. Na Barreira, não encontrou vestígio algum de soldados paulistas. Ao coronel Trompowski, Dutra enviou o seguinte despacho: “As tropas do major Pedra estão completamente desmoralizadas e disseminadas pela mata. Não posso contar com elas. Estou chegando à Barreira onde vou instalar o 4º R.C.D. provisoriamente e lançar para a frente um forte reconhecimento. Aguardo reforço para lançar ofensiva”. Tanto na Barreira, como em outras posições da serra do Piquete, foram encontrados abandonados armamentos, munição e até alguns fuzis, tal o pânico instalado nas tropas federais. Ainda naquela manhã, o major Penedo Pedra se apresentou ao coronel Dutra, que voltou a controlar as posições. O governo federal, atendendo ao seu pedido, enviou reforços e munição. Patrulhas de reconhecimento são lançadas. Foram presos cargueiros e soldados paulistas do 6º R.I. que retornavam à Barreira para reunir material deixado pelos governistas. No dia 28, com a chegada do 11º R.I. e do 28º B.C. para se unirem ao 4º R.C.D., Dutra constitui um agrupamento comandado pelo capitão Thales Moutinho da Costa, que tinha como tarefa ocupar posições próximas a Piquete, o que foi cumprido. Dutra tinha em vista executar um ataque a Piquete, mas recebe nova instrução da D.I. e retorna a Itajubá para nova missão. Fortalecidas, as tropas federais envidam fortes ataques aos paulistas, numericamente em desvantagem e com pouca munição.
Em Piquete, no dia 30 de julho o destacamento do coronel Abílio avança nas contra-encostas da serra, pelo Benfica, Tabuleta, Morro do Talco e Pico dos Marins. Buscam impedir o avanço federal.
No dia 12 de agosto, o coronel Felisberto Leal assume a direção da Fábrica, que, após cerca de um mês paralisada, é parcialmente reativada. Para isso, Leal contou com os poucos oficiais que aderiam à causa e o trabalho dos operários, que foram requisitados.
No início de setembro, chegam notícias de que em outras frentes vem ocorrendo o recuo estratégico do exército constitucionalista. Na verdade, as armas e munições eram cada vez mais escassas e soldados vindos do Nordeste chegavam para fortalecer as tropas federais.
No dia 13 de setembro, um grande movimento agitou Piquete: as tropas paulistas no município recebem ordens para evacuar a região. A Fábrica é desocupada e parte do maquinário desmontada e colocada num trem, juntamente com operários e suas famílias, com destino a São Paulo.
A ponte de ferro sobre o Paraíba, em Lorena, é dinamitada, a fim de atrasar o avanço das tropas federais, que chegam pelo Quilombo e pela serra. A população, desprotegida e em pânico, recorre novamente à zona rural. Do alto, o “vermelhinho” acompanha e intimida. Piquete ocupada. Ataques aéreos aconteceram em Cruzeiro, Canas, Lorena, Guaratinguetá e Aparecida. As tropas constitucionalistas tentam, num último esforço, uma ampla linha de defesa entre Lorena e Guaratinguetá. Não conseguem frear o avanço ditatorial. Em 2 de outubro, em Cruzeiro, um armistício é assinado. É o fim do conflito.