O Arquivo Pró-Memória consta de dezenas de milhares de imagens fotográficas, documentos originais da história do município, hemeroteca com os jornais que circularam em Piquete desde o início do século XX, programas de festas cívicas e religiosas, cartazes dos filmes apresentados no Cine Estrela do Norte etc.
São documentos importantíssimos que contam a história político-cultural e social da cidade ao longo de todo o século XX. Muitos digitalizados, outros ainda não, estão disponíveis para pesquisadores.
Acervo Fotográfico
A Fundação Christiano Rosa (FCR), por meio de seu instituidor, Antônio Carlos Monteiro Chaves, vem, há décadas, colecionando fotografias antigas de Piquete. Essa coleção vem crescendo em função de doações que chegam do município e de diferentes lugares do país.
Algumas fotografias encontram-se em péssimo estado de conservação devido não apenas à ação do tempo e ao desgaste natural, mas também por terem sido as imagens fixadas em suportes frágeis e suscetíveis à oxidação ou fungos.
O acervo fotográfico, que contém imagens desde o final do século XIX, é um rico patrimônio que está sendo preservado. Ciente da fragilidade desse material, a FCR o vem digitalizando, aos poucos. O trabalho objetiva preservar não somente as imagens desgastadas com risco de serem perdidas, como também as recentes, com vistas ao futuro. As fotografias escaneadas são transferidas para um banco de dados eletrônico e catalogadas. Muitas, de tão deterioradas, encontram-se inidentificáveis. Nesses casos, é realizado um moroso e artístico trabalho de recomposição, com software adequado, que permite redescobrir detalhes que se acreditavam perdidos.
A intenção de digitalização desse acervo, que já conta com milhares de imagens, é facilitar a busca, manuseio e reprodução das mesmas quando necessárias. Frequentemente, a Fundação Christiano Rosa é procurada por pesquisadores e universitários da região que desenvolvem trabalhos sobre Piquete e necessitam da iconografia para ilustração. Essa digitalização permitirá identificar uma sequência de imagens que mostram o desenvolvimento urbano da cidade, bem como famílias e personagens que ajudaram a construir o município. Facilitará, também, a recomposição de seu cotidiano em diferentes épocas.
No Carnaval, as velhas e boas marchinhas…
No carnaval, as boas e velhas marchinhas…
Todos os anos, os brasileiros se preparam para o Carnaval, a mais esperada festa popular do país, que acontece, normalmente, no mês de fevereiro.
Considerado o maior espetáculo da Terra, o Carnaval sofreu modificações ao longo do tempo e chegou aos nossos dias como sinônimo de alegria, descontração, irreverência e grande licenciosidade.
Em Piquete, antigos foliões se recordam dos bons e velhos bailes de Carnaval que aconteceram na cidade, entre as décadas de 40 e 60. Naquela época, o ritmo predominante era o das marchinhas, tocadas em salões decorados com criatividade e bom gosto. Havia bailes no Grêmio General Carneiro e no Elefante Branco, na Praça Duque de Caxias, na sede da Associação Comercial e no Clube dos Ex-Alunos, na Praça da Bandeira, e também no famoso Cassino dos Oficiais, na Vila da Estrela. Todos ficavam lotados.
O Carnaval piquetense era famoso. Atraía foliões de lugares distantes, que aqui vinham se divertir. A animação dos bailes era garantida pela excelência dos músicos, provenientes, a maioria, das bandas da FPV ou da Euterpe Piquetense. Em janeiro, os clubes os contratavam. Os músicos dividiam-se em pequenos grupos e passavam a ensaiar antigas e novas composições. Chegado o Carnaval, cabia a esses músicos o sucesso ou não dos bailes. Tocavam em todas as noites do reinado de Momo e em duas “matinês”.
Nos salões predominavam as marchinhas – criação brasileira em que alegria, ritmo, humor e irreverência eram os principais ingredientes. As músicas eram curtas e objetivas. Com poucos versos e melodias simples e diretas, fáceis de aprender e feitas não para se ouvir, mas para cantar e dançar nas ruas e nos salões. Com a popularização do rádio, no final dos anos 30, e, principalmente, no pós-guerra, houve crescimento do número desses aparelhos nas residências. Isso impulsionou a divulgação das marchinhas pelos programas radiofônicos, que passou a acontecer meses antes do Carnaval. Os ouvintes logo aprendiam a letra, memorizavam a melodia e passavam a cantar e assoviar a nova música que, consagrada pelo povo, estourava no Carnaval.
Ao longo de décadas, as marchinhas foram um vibrante veículo democrático de expressão popular, criticando, debochando e castigando os moralistas e poderosos com o riso das multidões. Muitos compositores tornaram-se gênios populares como Lamartine Babo, Ari Barroso, Assis Valente, Noel Rosa, Braguinha e outros, que criaram obras-primas da irreverência, do duplo sentido e da malícia, driblando censores e professores e produzindo um repertório extraordinário, hoje clássico, que comentava com humor novidades do momento e criticava personagens e acontecimentos da nossa história. Mas o tempo e a moda atropelaram a marchinha – o samba enredo e os ritmos baianos dominam o Carnaval. No entanto, ainda hoje, em qualquer baile de Carnaval, basta tocar uma das antigas marchinhas e os foliões, em ritmo frenético, cantam trechos de muitas delas. Quem não conhece “Linda Morena” (1932), de Lamartine Babo, ou “Linda Lorinha”, (1933), de Braguinha; “Cidade Maravilhosa” (1934), de André Filho; “Mamãe, eu Quero” (1936), de Jararaca; “Balancê” (1936), de Braguinha; “A Jardineira” (1938), de Benedito Lacerda; “Cabeleira do Zezé” (1963), de João Roberto Kelly; “Bandeira Branca” (1969), de Max Nunes…
Todas essas marchinhas ganhavam sabor especial quando executadas pelos músicos Luiz de Barros, Viana, Joaquim Augusto, Henrique Maziero, Zé Maria, Moreno, Bambu, Sílvia Mota, Valentim, Marcelo, Haroldo, Rapinha, Sebastião Sapateiro, Cinquenta, Vovô, entre outros…
Publicado originalmente no informativo O ESTAFETA, edição 109, de Fevereiro de 2006
Os combates travados na Serra de Piquete durante a Revolução Constitucionalista de 1932
Os combates travados na Serra de Piquete durante a Revolução Constitucionalista de 1932
A Revolução Constitucionalista que neste mês de julho completa 90 anos foi um dos mais importantes e dramáticos acontecimentos da história republicana brasileira. Esse conflito mobilizou todo o estado de São Paulo, que se uniu em defesa da Lei e pela reconstitucionalização do país.
Piquete, a exemplo de outras cidades valeparaibanas, foi palco desse movimento revolucionário que transformou o cotidiano dessa pacata cidade operária, que contava, por essa época, com pouco mais de dois mil habitantes.
Militarmente analisando, a importância de Piquete nesse conflito se deve, em primeiro plano, à instalação, no município, da Fábrica de Pólvora sem Fumaça, considerada de grande valor para ambos os comandos beligerantes. Para São Paulo, bloqueado por terra e mar por tropas federais, a Fábrica era garantia do suprimento de pólvora para munição; para a ditadura Vargas, representava economia na importação e, acima de tudo, privação de São Paulo de seus recursos. Em segundo plano, estava a localização do município que mantém ampla fronteira com Minas Gerais e que, do início da guerra até 12 de outubro, constituiu o extremo esquerdo da linha de defesa da 2ª Divisão de Infantaria em Operação do Exército Constitucionalista, protegendo a Fábrica e impedindo o avanço de tropas mineiras para a região do Túnel, na Estrada de Ferro Cruzeiro – Passa Quatro. Nessa condição de proteção do flanco esquerdo da 2ª D.I.O., a luta em Piquete foi travada no topo da Serra, em direção a Minas Gerais.
A Revolução Constitucionalista eclodiu em São Paulo na noite de um sábado, 9 de julho. No dia seguinte, o coronel José Pompeu de Albuquerque Cavalcanti, diretor da Fábrica, recebeu ordem do Ministro da Guerra para averiguar a situação do conflito em Piquete. Em contato com o coronel José Joaquim Andrade, do 6º R.I., que se encontrava em Lorena comandando as forças que se concentravam no Vale do Paraíba, fica sabendo da Revolução e de seus desdobramentos. Pompeu Cavalcante decide, juntamente om sua oficialidade, não aderir ao movimento paulista. A produção da Fábrica é interrompida, mantendo-se apenas as atividades de manutenção, e o operariado é dispensado. Como não tinha como esconder a quantidade de pólvora estocada nos paióis, vê-se obrigado a atender, sob protesto e por meio de cautela, aos pedidos, tanto de pólvora quanto de armas e insumos, dos revoltosos. Foi preso, então, em sua residência, na Vila da Estrela, bem como os demais oficiais. Com a evolução do conflito, o primeiro-tenente Bibiano Dale Coutinho adere à Revolução, seguido por grande parte do operariado e mestres. Mais tarde outros três oficiais também iriam aderir.
Do lado do Exército Federal, o coronel Eurico Gaspar Dutra, comandante do 4º R.C.D. de Três Corações, recebe, no dia 12 de julho, um telegrama do Estado Maior, em Juiz Fora, em que pede que se faça reconhecimento da Fábrica de Piquete e que, caso esta estivesse desocupada, ocupá-la e organizar sua defesa. Se ocupada, vigiá-la e informar com urgência e dar conhecimento ao coronel Eugênio Trompowski, em Pouso Alegre. De imediato, Dutra enviou para a serra, em Piquete, tropas do 10º R.I. de Juiz de Fora sob o comando do major Pedro Penedo Pedra, que instala seu Posto de Comando no alto da serra, na Barreira e passa a observar a Fábrica.
No dia 16 de julho, patrulhas mineiras descem a serra chegando bem próximo à Fábrica, de onde são rechaçados a tiros por soldados do 6º R.I. No dia seguinte, é organizado em Piquete o destacamento coronel Abílio P. Rezende, com o II e III batalhões do 6º R.I., 4º R.C.D. e 1º B.C.P. da Reserva. No dia 20, o coronel Abílio tem em Piquete cerca de 1400 soldados com batalhões comandados pelos capitães Agnelo Caiado de Castro e Marco Antônio. As linhas avançadas do Exército Constitucionalista se posicionaram entre os picos do Focinho do Cão, Cabrito, Ataque e no Pico dos Marins, à direita para o lado do túnel, em Cruzeiro, local onde seriam travados grandes embates.
Na serra do Piquete, os encontros entre as patrulhas tornam-se frequentes. A população da cidade, assustada com os sobrevoos dos aviões ditatoriais e os constantes sons de bombas, tiros, explosões e metralhadoras, foge para a zona rural em busca de segurança. Piquete, esvaziada, tem suas ruas percorridas por tropas, que se dirigem à Mantiqueira. Trincheiras são abertas e canhões posicionados. Prédios públicos e residências particulares são tomados e transformados em postos de comando, Café do Soldado, postos de saúde, correios etc.
Da Barreira, local em que se encontrava instalado o comando federal, partem soldados que se posicionavam em lugares privilegiados, a partir de onde observavam toda a movimentação em Piquete e na Fábrica. Apesar de bem instalados e seguros, no dia 20 de julho ocorreu o maior conflito na região, muito noticiado pelos jornais paulistas, que será sempre lembrado como um grande feito dos soldados constitucionalistas. Na região do Pico do Cabrito, próxima ao Sanatório Militar, as tropas constitucionalistas foram fortemente atacadas pelo 10º R.I. de Juiz de Fora. A ofensiva ditatorial foi violenta. Sob fogo cerrado, os soldados paulistas, após hábil manobra de envolvimento, obrigou o comandante das forças adversárias a pedir trégua, a fim de um entendimento. Terminado o prazo, os adversários reiniciaram, inesperadamente, intenso tiroteio com peças de artilharia e metralhadoras. Apesar da surpresa, o soldado paulista respondeu ao ataque com determinação e êxito. Os capitães Caiado de Castro e Marco Antônio e o tenente Meireles, comandantes das forças constitucionalistas, conseguiram, numa arrancada, numa carga de baioneta verdadeiramente épica, colocar em fuga desordenada todo o 10º R.I.. Foram feitos 35 prisioneiros, dentre os quais um oficial. Apreendidas duas peças de 75 mm, doze metralhadoras, 55 mil tiros e inúmeros fuzis, além de trens de cozinha, padiola e demais aparelhamentos do corpo de saúde. Também barracas, capotes e talabartes de oficiais. Uma precipitada debandada.
Esse episódio foi também narrado em um relatório pelo coronel Eurico Gaspar Dutra, comandante de um destacamento do 4º D.I. enviado para a frente de Piquete. Havia a necessidade se se conhecer a situação, para o caso de se enviar seu regimento para aquele setor. Atendia a um pedido do coronel Trompowski, que se encontrava em Itajubá, no qual narra que as tropas federais, na serra do Piquete, estavam sendo fortemente atacadas e pede que Dutra se deslocasse com brevidade em socorro do batalhão Pedra.
Dutra, ao chega a Itajubá Velho (Delfim Moreira), tenta se comunicar com o P.C. do major Pedra, na Barreira, mas não consegue contato. Diante disso, dirige-se pessoalmente à Barreira. Mal havia saído de Itajubá Velho, encontra diversos soldados do 10º e do 11º R.I. que haviam se retirado da frente de combate. Em seguida, cinco oficiais e outros soldados são encontrados na mesma situação. Em vão, procurou reunir esses elementos, mas, todos, verdadeiramente extenuados e apavorados, protestavam para não enfrentar novamente os adversários. Diziam que o P.C. do major Pedra havia sido violentamente atacado e que, após tenaz resistência, a força que lá se encontrava se viu obrigada a se retirar. Não sabiam informar o paradeiro do major e nem o destino que tomaram as tropas mais à frente. À vista disso, o coronel Dutra aguarda em Itajubá Velho a chegada do 4º D.I.. Durante toda aquela noite, vão chegando diversas turmas de soldados. Todos davam as mesmas razões para justificar a retirada. No dia 26 de julho, pela manhã, Dutra marchou com o regimento para a serra do Piquete. Na Barreira, não encontrou vestígio algum de soldados paulistas. Ao coronel Trompowski, Dutra enviou o seguinte despacho: “As tropas do major Pedra estão completamente desmoralizadas e disseminadas pela mata. Não posso contar com elas. Estou chegando à Barreira onde vou instalar o 4º R.C.D. provisoriamente e lançar para a frente um forte reconhecimento. Aguardo reforço para lançar ofensiva”. Tanto na Barreira, como em outras posições da serra do Piquete, foram encontrados abandonados armamentos, munição e até alguns fuzis, tal o pânico instalado nas tropas federais. Ainda naquela manhã, o major Penedo Pedra se apresentou ao coronel Dutra, que voltou a controlar as posições. O governo federal, atendendo ao seu pedido, enviou reforços e munição. Patrulhas de reconhecimento são lançadas. Foram presos cargueiros e soldados paulistas do 6º R.I. que retornavam à Barreira para reunir material deixado pelos governistas. No dia 28, com a chegada do 11º R.I. e do 28º B.C. para se unirem ao 4º R.C.D., Dutra constitui um agrupamento comandado pelo capitão Thales Moutinho da Costa, que tinha como tarefa ocupar posições próximas a Piquete, o que foi cumprido. Dutra tinha em vista executar um ataque a Piquete, mas recebe nova instrução da D.I. e retorna a Itajubá para nova missão. Fortalecidas, as tropas federais envidam fortes ataques aos paulistas, numericamente em desvantagem e com pouca munição.
Em Piquete, no dia 30 de julho o destacamento do coronel Abílio avança nas contra-encostas da serra, pelo Benfica, Tabuleta, Morro do Talco e Pico dos Marins. Buscam impedir o avanço federal.
No dia 12 de agosto, o coronel Felisberto Leal assume a direção da Fábrica, que, após cerca de um mês paralisada, é parcialmente reativada. Para isso, Leal contou com os poucos oficiais que aderiam à causa e o trabalho dos operários, que foram requisitados.
No início de setembro, chegam notícias de que em outras frentes vem ocorrendo o recuo estratégico do exército constitucionalista. Na verdade, as armas e munições eram cada vez mais escassas e soldados vindos do Nordeste chegavam para fortalecer as tropas federais.
No dia 13 de setembro, um grande movimento agitou Piquete: as tropas paulistas no município recebem ordens para evacuar a região. A Fábrica é desocupada e parte do maquinário desmontada e colocada num trem, juntamente com operários e suas famílias, com destino a São Paulo.
A ponte de ferro sobre o Paraíba, em Lorena, é dinamitada, a fim de atrasar o avanço das tropas federais, que chegam pelo Quilombo e pela serra. A população, desprotegida e em pânico, recorre novamente à zona rural. Do alto, o “vermelhinho” acompanha e intimida. Piquete ocupada. Ataques aéreos aconteceram em Cruzeiro, Canas, Lorena, Guaratinguetá e Aparecida. As tropas constitucionalistas tentam, num último esforço, uma ampla linha de defesa entre Lorena e Guaratinguetá. Não conseguem frear o avanço ditatorial. Em 2 de outubro, em Cruzeiro, um armistício é assinado. É o fim do conflito.
Antônio Carlos Monteiro Chaves, Diretor Executivo da Fundação Christiano Rosa
Fatos ocorridos Revolução de 1932 – A tomada da Fábrica de Pólvora sem Fumaça pelos Constitucionalistas
Fatos ocorridos Revolução de 1932 – A tomada da Fábrica de Pólvora sem Fumaça pelos Constitucionalistas
Em consequência do movimento revolucionário que eclodiu no dia 9 de julho no estado de São Paulo, a Fábrica de Pólvora sem Fumaça viu-se envolvida em circunstâncias anormais. Este estabelecimento manteve-se obediente ao governo legalmente constituído (Boletim Interno 162, de 14/07/1932).
A 12 de julho os oficiais em serviço na Fábrica lavraram a seguinte ata: “Aos doze dias do mês de julho do ano de mil e novecentos e trinta e dois, consultados todos os oficiais que servem na Fábrica de Pólvora sem Fumaça, reunidos no Gabinete do Diretor, os abaixo assinados, em vista do movimento revolucionário há dias instalado na capital de São Paulo e cujas forças acham-se em operações nas proximidades desta Fábrica, resolveram que fosse declarado por escrito e constante desta Ata que continuam solidários com o governo federal. Resolveram mais que esse ato fosse comunicado ao comandante das forças revolucionárias em Lorena e às autoridades legais no Rio de Janeiro. Esta Ata será feita em três vias, sendo uma das vias arquivada nesta Fábrica e as demais enviadas às autoridades acima referidas. (Assinados José Pompeu de Albuquerque Cavalcanti, coronel diretor; tenente coronel Heitor Velasco, primeiro químico da Fábrica, por coerência com seu passado militar; Maximiliano Fernandes da Silva, major subdiretor; major Octaviano Leão, inspetor de pólvoras; Waldemar Brito de Aquino, capitão; Adhemar da Costa Mattos, capitão; Dr. Frederico Eisenlohr, capitão médico; Raul Miranda Leal, capitão engenharia; Marçal Carlos da Silva, capitão farmacêutico e 2º Químico; Luiz Gonzaga de Fontoura Rodrigues, primeiro tenente; Duílio Renato Storino, primeiro tenente; Gamaliel Bonorino, primeiro tenente Farmacêutico; Waldyr Manoel de Albuquerque, primeiro tenente; Bibiano Sérgio Dale Coutinho, primeiro tenente, com as restrições que lealmente expus ao senhor coronel diretor; primeiro tenente Moacyr de Faria e José Fedulo, primeiro tenente intendente”.
A 18 de julho todas as oficinas deste estabelecimento paralisaram os seus serviços, continuando apenas os de conservação e limpeza.
O boletim interno de onze de agosto publicou que, em virtude da apresentação do tenente coronel Felisberto Antônio Fernandes Leal que, em nome do general Bertholdo Klinger, chefe das foças rebeladas contra o Governo Provisório, veio assumir a direção da Fábrica, conforme consta da Ata que a seguir se publica. O coronel Pompeu Cavalcanti suspendeu naquela data sua atuação como Diretor da Fábrica de Pólvora sem Fumaça e determinou que se encerrasse toda a escrituração atinente à sua gestão na Fábrica. – “Ministério da Guerra. Fábrica de Pólvora sem Fumaça. Piquete. Estado de São Paulo. Ata especial relativa à passagem de direção da Fábrica de Pólvora sem Fumaça, de Piquete, por ocasião dos acontecimentos revolucionários que tiveram início a 9 de julho de 1932, no estado de São Paulo.
Aos onze dias do mês de agosto de mil novecentos e trinta e dois apresentou-se à Fábrica de Pólvora sem Fumaça de Piquete, o tenente coronel de artilharia Felisberto Antônio Fernandes Leal, que se fazendo comunicar ao respectivo diretor, coronel José Pompeu de Albuquerque Cavalcanti, foi pelo mesmo recebido em sua residência.
O tenente coronel Felisberto Leal exibiu, nessa ocasião, o ofício nº 537, de 9 do citado mês, assinado pelo general Klinger, comandante das Forças Constitucionalistas, no qual declarava que, no propósito de fazer funcionar a Fábrica e à vista da situação em que se encontravam os seus oficiais, havia designado o referido oficial para Diretor da mesma; que os oficiais deste Estabelecimento ficariam presos sob palavra em suas residências; e que consideraria requisitados os funcionários, operários e empregados civis; e, finalmente, que para execução das deliberações tomadas reclamava que nenhum entrave fosse criado nem ao serviço dos camaradas que fossem substitutos dos oficiais presos, nem ao serviço do pessoal civil requisitado.
Pelo coronel José Pompeu de Albuquerque Cavalcanti foi declarado que a revolução chefiada pelo general Bertholdo Klinger, à qual não havia aderido, encontrara-o à testa do estabelecimento em situação de, pela ausência de forças, não poder defender o mesmo da posse dos revolucionários. Que desde o primeiro contato com os chefes desse movimento ou de representantes seus, considerava-se preso com os seus oficiais e fizera cessar as atividades da Fábrica. Não efetivada, porém, a posse do estabelecimento, permanecera na direção do mesmo, por isso que continuava a tê-lo sob sua responsabilidade. Que assim pretendia se manter até que uma passagem regular da direção ou um ato de força o obrigasse a deixá-lo.
Que a designação do tenente coronel Felisberto Leal, embora sob moldes de alta correção pessoal, é um ato de força que o obriga a deixar o cargo e formular o seu protesto, perante o mesmo e presentes os senhores oficiais.
Que acatará a ordem de prisão e está certo de que os demais oficiais também assim procederão.
Em relação aos funcionários e empregados civis deixará a cada um a liberdade de ação e espera que os chefes revolucionários não obriguem ao trabalho aqueles que não o desejarem, não só em atenção à sua consciência, como pela situação em que ficariam como funcionários do Governo Federal se esse pedir contas de sua conduta, finda a revolução.
Finalmente, o coronel José Pompeu de Albuquerque Cavalcanti declarou que ia encerrar a sua escrituração na data presente e que manteria em seu poder toda a documentação relativa à sua gestão na Fábrica, a fim de que, finda a anormalidade existente, pudesse prestar contas de seus atos aos órgãos competentes.
Antes de concluir, o coronel José Pompeu de Albuquerque Cavalcanti fez saber ao tenente coronel Felisberto Leal que, solidários com os oficiais da Fábrica no pensar e na atitude assumida, encontravam-se os oficiais da Comissão Construtora da Fábrica de Trotyl, presentemente em número de quatro, a saber: majores Nestor Rodrigues da Silva e Leunan de Andrade Moniz Ribeiro, capitão João Tavares de Melo e primeiro tenente Floriano Peixoto de Souza França.
Pelo tenente coronel Felisberto Antônio Fernandes Leal foi declarado que, assumindo a direção da Fábrica, de acordo com o teor do ofício acima citado do general Bertholdo Klinger, comandante das forças constitucionalistas, não forçará os funcionários e operários da mesma Fábrica à prestação de serviços, mas, sim, requisitará os seus serviços conforme ordens recebidas, requisição que não poderia deixar de ser atendida; e que os isentaria de qualquer responsabilidade; declarou, ainda, esperar que os oficiais da Fábrica, ora presos por palavra em suas residências, se mantenham fieis a esse compromisso o que, aliás, é de se esperar, a fim de não constrangê-lo, embora contra vontade, a tomar, em cada caso, resoluções que alterem a atual situação em que se acham.
Que, embora o ofício acima mencionado fale de um modo geral na situação dos oficiais da F.P.s.F. os oficiais da C.C.F.T. ficarão em situação idêntica aos da referida Fábrica de Pólvora.
E para constar lavrou-se a presente Ata feita por mim, 1º tenente Moacyr de Faria, secretário da Fábrica, e assinada pelos chefes acima referidos e pelos oficiais que a quiserem assinar.
(AA) – José Pompeu de Albuquerque Cavalcanti, coronel diretor; Felisberto Antônio Fernandes Leal, tenente coronel; Heitor Velasco, tenente coronel; Maximiliano Fernandes da Silva, major subdiretor; Nestor Rodrigues da Silva, major; Octaviano Leão, major; Leunan de Andrade Moniz Ribeiro, major; Waldemar Brito de Aquino, capitão; Adhemar da Costa Mattos, capitão; João Tavares de Mello, capitão; Raul Miranda Leal, capitão; Frederico Eisenlohr, capitão médico; Marçal Carlos da Silva, capitão farmacêutico; Gamaliel Bonorino, primeiro tenente; Luiz Gonzaga de Fontoura Rodrigues, primeiro tenente; José Fedulo, primeiro tenente; Duílio Renato Storino, primeiro tenente; Waldyr Manoel de Albuquerque, primeiro tenente; Moacyr de Faria, primeiro tenente; Floriano Peixoto de Souza França, primeiro tenente.
A 12 de agosto, de ordem do general comandante do exército constitucionalista, assumiu a direção da Fábrica o tenente coronel Felisberto Antônio Fernandes Leal.
Na mesma data, pela mesma autoridade, foi mandado servir como auxiliar do diretor da Fábrica, o primeiro tenente Bibiano Sérgio Dale Coutinho.
Como primeiro ato do tenente coronel Fernandes Leal, a 12 de agosto foram requisitados todos os funcionários, operários e empregados a prestarem seus serviços na Fábrica, ficando isentos de toda e qualquer responsabilidade futura.
A 21 de agosto, foram mandados apresentar ao comando da 2ª R.M. o major Octaviano Leão e o primeiro tenente Luiz Gonzaga de Fontoura Rodrigues; a 4 de setembro foram encaminhados ao mesmo destino o coronel José Pompeu de Albuquerque Cavalcanti, majores Nestor Rodrigues da Silvas e Leunan de Andrade Moniz Ribeiro e o capitão Raul de Miranda Leal.
Apresentaram-se no dia 5 de setembro a fim de prestar serviço à “Causa Constitucionalista” os primeiro tenentes Duílio Renato Estorino e Gamaliel Bonorino, este último Farmacêutico.
Antônio Carlos Monteiro Chaves, Diretor Executivo da Fundação Christiano Rosa
Fatos ocorridos Revolução de 1932 – A retomada da Fábrica
Em 13 de setembro, após um mês sob comando constitucionalista, as forças revolucionárias desocuparam a Fábrica e a cidade de Piquete. Algumas seções foram transferidas para São Paulo juntamente com parcela significativa de funcionários, necessários para colocá-las em funcionamento.
Os oficiais que não aderiram ao movimento foram levados presos. Ficaram para resguardar esse patrimônio nacional o major Maximiliano Fernandes da Silva, o capitão médico Dr. Frederico Einsenlohr e os primeiros tenentes Waldyr Manoel de Albuquerque e Moacyr de Faria.
Entrega da Direção da Fábrica
Transcrição da Ata
“Exército Constitucionalista – Fábrica de Pólvora sem Fumaça. Aos treze dias do mês de setembro de 1932, o tenente coronel Felisberto Antônio Fernandes Leal, diretor da F.P.s.F. por nomeação do general comandante das Forças Constitucionalistas de São Paulo e seus oficiais, todos abaixo assinados, ao ter de retirar-se, resolve entregar a referida Fábrica ao major Maximiliano Fernandes da Silva, capitão médico Dr. Frederico Einsenlohr, primeiro tenente Waldyr Manoel de Albuquerque e primeiro tenente Moacyr de Faria, oficiais que se achavam presos sob sua guarda por não terem aderido ao movimento constitucionalista; a fim de evitar sacrifício pessoal, tanto das famílias dos oficiais como também dos funcionários e operários residentes em Estrela e Piquete, e, bem assim, inutilização depredações possíveis do patrimônio nacional, por ocasião de sua ocupação pelas tropas do governo federal, caso estas entrassem combatendo. Como assim foi feito, lavrou-se esta ata que vai por todos assinada e feita em duas vias.
(AA) Felisberto Antônio Fernandes Leal, tenente coronel; Maximiliano Fernandes da Silva, major; Dr. Frederico Eisenlohr, capitão médico; Duílio Renato Storino, primeiro tenente; Waldyr Manoel de Albuquerque, primeiro tenente; Moacyr de Faria, primeiro tenente; Bibiano Sérgio Dale Coutinho, primeiro tenente.
Em consequência do que ficou dito acima, assumiu a 14 de setembro a direção da Fábrica o major Maximiliano Fernandes da Silva.
Conforme boletim interno de 15 de setembro, os revoltosos, ao abandonarem a Fábrica, não destruíram nada; apenas inutilizaram algumas seções retirando peças essenciais para o seu funcionamento.
À exceção dos três oficiais signatários da Ata acima transcrita e que foram conservados presos, os demais oficiais que serviam no Estabelecimento foram levados presos para a capital de São Paulo.
Apresentaram-se a 21 de setembro os capitães Adhemar da Costa Matos, Marçal Carlos da Silva, Waldemar Brito de Aquino, João Tavares de Mello e os primeiros tenentes Luiz Gonzaga de Fontoura Rodrigues e Floriano Peixoto de Souza França, todos por terem se evadido em Lorena quando seguiam presos pelos revoltosos com destino a São Paulo e obtido permissão do general Goes Monteiro para virem a Piquete.
No Boletim interno da F.P.s.F. de nº 194, de 22 de setembro, são “declarados ausentes por se acharem faltando ao serviço sem motivo justificado desde o dia 14 do corrente mês” diversos empregados daquela instituição que haviam seguido para São Paulo. Todos foram exonerados. Em dezembro daquele mesmo ano, por decreto governamental, foram anistiados e puderam retomar suas atividades.
Pelo boletim de 20 de outubro foi declarado que seriam considerados insubsistentes todos os atos praticados com o pessoal desta Fábrica pela administração revolucionária que a ocupou durante o período de 11 de agosto a 14 de setembro de 1932.
A 30 de dezembro, reassumiu as suas funções de diretor da Fábrica o coronel José Pompeu de Albuquerque Cavalcanti.
Em seu relatório do ano de 1932, o coronel Pompeu Cavalcanti se refere ao Movimento Revolucionário com as seguintes palavras:
“O episódio mais interessante da vida da Fábrica durante o ano findo (1932) foi, sem dúvida, a atitude do pessoal civil durante o movimento revolucionário paulista. Refiro-me, especialmente, ao pessoal civil porque pouco destoante foi a atitude da oficialidade, na sua quase totalidade, coesa ao lado de seu chefe.
É certo que nenhum ato de desacato ou mesmo qualquer gesto de desobediência partiu desse pessoal contra os chefes seus hierárquicos.
O fanatismo pela causa regional levou, porém, um grande número de funcionários e operários de categoria a esquecerem o seu passado de dedicação e lealdade às autoridades legais logo que os revolucionários ocuparam este estabelecimento.
Errada foi, sem dúvida, essa atitude. Ela atenua-se, contudo, tendo em vista a loucura coletiva que afetou o estado de São Paulo inteiro e o ia arrastando a uma campanha francamente separatista.”
O coronel Pompeu Cavalcante equivoca-se ao afirmar ser a Revolução Constitucionalista de 1932 um movimento separatista. O estado de São Paulo não teria se mobilizado se assim fosse. O operariado aderiu o movimento porque desejava São Paulo com sua autonomia restabelecida, com seus governantes atinado com as aspirações do povo, sem a influência de governos exógenos. A ideia separatista foi plantada pelo governo federal para angariar apoio das demais unidades da Federação.
No dia 12 de julho, às 14h30min, um avião do governo federal sobrevoou Piquete e a Fábrica jogando um manifesto no qual pede apoio aos “camaradas do Exército”. O isolamento de Piquete e a falta de comunicação fizeram com muitos formulassem um pensamento incorreto sobre a Revolução. As “fake news” já existiam em 1932.
Antônio Carlos Monteiro Chaves, Diretor Executivo da Fundação Christiano Rosa
Imagens da Revolução Constitucionalista de 1932 em Piquete
Imagens da Revolução Constitucionalista de 1932 em Piquete
Nove de julho de 1932. Ouviu-se o primeiro tiro. Eclodia a Revolução Constitucionalista no estado de São Paulo. Durante três meses, as forças paulistas, compostas de 35 mil combatentes, lutaram contra tropas enviadas pelo governo federal, que contavam com um contingente de cerca de 100 mil soldados. Nas palavras de Pedro de Toledo, então governando o Estado, São Paulo deveria “prosseguir na luta para satisfazer a mais alta aspiração nacional, que é restituir ao povo brasileiro o direito de dispor de seus destinos e de se organizar constitucionalmente…”. Não tendo havido adesões de outros estados, os revolucionários paulistas viram-se obrigados à rendição, o que ocorreu em outubro do mesmo ano. Apesar dessa derrota paulista em sua luta por uma Constituição, dois anos depois – em 1934 – seria promulgada a nova Carta Magna.
Para que não nos esqueçamos desse capítulo da história paulista em que Piquete teve participação ativa, é que procuramos todos os anos, desde 1997, ilustrar esse informativo com textos e imagens alusivas à Revolução. Colecionamos ao longo desses vinte anos registros de depoimentos de moradores que testemunharam esse conflito armado e também quantidade significativa de livros, documentos, fotos, jornais e revistas que hoje compõem o acervo da Fundação Christiano Rosa.
Por meio desse acervo, evidencia-se que muitos piquetenses que se encontravam na cidade naqueles dias e que, direta ou indiretamente, participaram da Revolução, se orgulhavam de contar suas histórias. A participação do município de Piquete foi importante estrategicamente para a causa paulista, não só devido à sua localização geográfica mas, também, pela Fábrica de Pólvora sem Fumaça, que foi ocupada pelos constitucionalistas, passando a produzir pólvora para a causa. Apesar da adesão da população e do operariado da Fábrica ao movimento, são poucas as fotografias que chegaram até nossos dias. Não havia fotógrafos na cidade. As imagens que chegaram até nós foram feitas por soldados que vieram de fora ou por fotógrafos dos jornais A Gazeta e O Estado de São Paulo. Alguns poucos livros publicados após o conflito estamparam imagens, mas com pouca definição. Apesar disso, constatamos que antigos moradores, quando de posse de um jornal ou de uma fotografia daquela época, espontaneamente se recordavam da Revolução contando diversos episódios até então calados em suas memórias, acordadas que foram pela fotografia. Para eles, testemunhas vivas da história, a recriação do passado emergia de maneira simples e pitoresca, surpreendendo-nos pelos detalhes muitas vezes diferentes da versão oficial que se lê nos livros. Contam fatos por eles vividos de um momento épico da história paulista, considerado o maior conflito armado ocorrido no país. Suas lembranças se prendem à pacata Piquete tomada por tropas: a ocupação do Cine Glória, do Grupo Escolar, do Hotel das Palmeiras, a profanação de casas e quintais, o “vermelhinho” – avião ditatorial – sobrevoando a cidade… Relatam, ainda, o êxodo da população para a zona rural, o matraquear das metralhadoras na serra, canhões e prisioneiros em frente ao hotel transformado em QG, o avanço das tropas federais, o recuo paulista, o desmonte da Fábrica e a fuga de grande parte do operariado com suas famílias para São Paulo numa viagem tragicômica, e a derrubada da ponte metálica sobre o Paraíba para atrasar o avanço ditatorial. Depois do armistício, o retorno e a demissão de centenas de operários que aderiram à causa. A revolução durou de 9 de julho a 28 de setembro. Foram 85 dias de combates que marcaram uma geração, orgulhosa de seu passado histórico, encerrados em 2 de outubro com a assinatura de um armistício em Cruzeiro, SP.
Antônio Carlos Monteiro Chaves, Diretor Executivo da Fundação Christiano Rosa
A Paróquia de São Miguel Arcanjo, em Piquete/SP
A Paróquia São Miguel Arcanjo
A Paróquia São Miguel Arcanjo, em Piquete/SP, foi criada em 7 de outubro de 1888, por portaria de Dom Luiz Deodato de Carvalho, bispo de São Paulo. Para seu pároco foi nomeado o padre Francisco Fillipo, que a assumiu em 1º de novembro daquele ano.
Infelizmente, por motivos vários, esse padre permaneceu por pouco tempo à frente da paróquia de Piquete, pois, transferiu-se para a igreja de Santo Antônio, na cidade de Machado, MG, em abril de 1890. No curto espaço de tempo em Piquete, padre Filippo trabalhou com afinco: casamentos e batizados, além de um trabalho de evangelização.
Por 44 anos, a Paróquia de São Miguel ficou sem um padre residente. No entanto, homens e mulheres de valor, à frente de trabalhos de evangelização, mantiveram viva a devoção a São Miguel, padroeiro de Piquete, e o trabalho de catequese. O que sustentou a vida da Matriz foram os movimentos eclesiais, com reza do terço, ladainhas e outras devoções. Essa religiosidade, fruto do seu tempo, manteve a fé acesa. O espírito da tradição garantiu a continuidade, passando os rituais de pais para filhos. Em 1934, chegava para residir e paroquiar a Matriz de São Miguel o padre João Marcondes Guimarães.
A devoção a São Miguel e Almas
Um traço marcante da espiritualidade de nós, piquetenses, que vem dos primórdios de nosso povoamento, é a devoção a São Miguel Arcanjo, árbitro das almas do purgatório.
A devoção a São Miguel foi muito difundida na América portuguesa, personificando a luta entre o Bem e o Mal. Chegou ao vale do Paraíba com os primeiros colonizadores e se difundiu. Essa devoção fez com que, no início dos setecentos, a 6 de maio de 1719, fosse instituída na Freguesia de Nossa Senhora da Piedade (Lorena) a Irmandade de São Miguel, cujo compromisso foi aprovado por D. Francisco de São Jeronymo, bispo diocesano do Rio de Janeiro. Em 1852, houve reforma desse compromisso. Por essa época, a devoção a São Miguel Arcanjo já havia chegado ao bairro lorenense do Piquete, cuja população, para cumprir os preceitos religiosos, se deslocava até a Vila de Lorena. Assim, os piquetenses passaram a pleitear junto às autoridades eclesiásticas autorização para construção de uma capela no bairro. Em 1864, por meio de uma petição conseguem de D. Sebastião Pinto do Rego, bispo de São Paulo, provisão que autorizava a construção de uma capela no bairro, sob a invocação de São Miguel, com a condição de que deveria se localizar em lugar alto e livre de umidade e que tivesse espaço ao redor para procissões. O local escolhido foi uma colina às margens do Caminho de Minas, junto a um adensamento populacional. Os moradores passam, a partir de então, a se reunir, discutindo a melhor maneira para execução das obras. Tomaram a frente dos trabalhos o Ten. Joaquim Vieira Teixeira Pinto e José Mariano Ribeiro da Silva, apoiados por moradores dos quarteirões: Posses, Ronco, Itabaquara Acima, Ribeirão Vermelho, Serra do Itajubá, Serra dos Marins, Passa Quatro, Leais, Gonçalves, Godoy.
A força aglutinadora da Fé e a devoção a São Miguel impulsionavam a todos que sonhavam ver a capela de seu padroeiro construída. Escravos taipeiros passaram a pilar as grossas paredes de terra da capela. À medida que as paredes cresciam, aumentava a expectativa dos moradores para com o término das obras. Ao mesmo tempo, articulava-se a elevação do bairro à condição de Freguesia, o que veio a acontecer em 22 de março de 1875, quando a igreja encontrava-se quase pronta: simples e pobre, sem adornos, sem as torres laterais. Nesse mesmo ano, construiu-se o cemitério e as cerimônias fúnebres passaram a ser realizadas na Capela, que, mesmo sem padre colado, aglutinava a população para orações e reuniões comunitárias. Em 7 de outubro de 1888 criou-se a Paróquia de São Miguel do Piquete, sendo nomeado seu primeiro pároco, o Pe. Francisco Fillipo.
A população aspirava à emancipação do bairro. Era preciso, então, uma matriz. O Comendador Custódio Vieira da Silva, proprietário da Fazenda da Estrela, constrói, nas proximidades da igreja, uma olaria para a construção das torres laterais. Em 15 de junho de 1891 ocorre a emancipação político-administrativa do bairro e na Matriz são realizadas cerimônias solenes. No Natal desse mesmo ano concluíram-se as torres.
A antiga Matriz de São Miguel é para os piquetenses o seu maior símbolo. Todos os eventos significativos do Município ocorreram nela, ou nas suas adjacências.
A Capela de São Miguel faz-se presente no acervo iconográfico da Fundação Christiano Rosa. Nela nossas tradições religiosas foram intensamente fotografadas: procissões, casamentos, batizados, primeiras comunhões e situações de convivência propiciadas pela Igreja. Em cada fotografia, resgatam-se as micro-histórias pertinentes a ela e muito de nossa memória.
A Capela de São Miguel e Almas, nossa antiga matriz, foi, no passado, e continua, no presente, nossa maior referência histórico-religiosa.
Ao comemorarmos nosso padroeiro, São Miguel Arcanjo, nossos pensamentos voltam-se para a pequena capela, onde nossos antepassados testemunharam sua fé, acreditaram no futuro do Bairro, Vila e Cidade de Piquete. Como eles, continuamos a rogar para que São Miguel nos inspire e nos fortaleça para a caminhada, nesse novo milênio.
Texto originalmente publicado no informativo O ESTAFETA, edição 56, de Setembro de 2001
Uma festa muito especial…
Todos os anos, quando se aproximava o mês de setembro, a Paróquia de São Miguel criava alma nova se preparando para as homenagens ao seu arcanjo padroeiro. A cidade toda se mobilizava para que os eventos daquele ano superassem os do ano anterior. Uma festa bem organizada era sinônimo de lucro certo a ser destinado para as obras de reforma da matriz, sempre necessitada de reparos.
Em 1921, Piquete se preparou especialmente para essa grande festa que, naquele ano, aconteceu em 2 de outubro, já que 29 de setembro, dia de São Miguel, caíra no meio da semana. A expectativa era maior do que a dos anos anteriores, pois os festeiros eram Maria Francisca Bittencourt e o professor Francisco de Paula Ribeiro. A animada dupla contava, além do apoio financeiro dos parentes, com a ajuda de grande número de simpatizantes. Chiquinha Bittencourt, de tradicional família piquetense, era casada com o escrivão da Fábrica de Pólvoras sem Fumaça, Boaventura Barcellos Garcia, que traria consigo o apoio do operariado da Fábrica. O professor Chiquinho Ribeiro, casado com a professora Olympia Arantes, era hábil político, diretor de teatro e conhecido por toda a cidade.
Organizaram-se durante o ano todo, de maneira que, no dia 12 de setembro, foi distribuído pela cidade o programa da festa. Nele as famílias da cidade eram convidadas “para assistir aos festejos em honra do glorioso São Miguel, padroeiro da cidade, a se realizarem de 24 de setembro a 2 de outubro do corrente ano”. Também pedia prendas para os leilões, e a todos que possuíam cartões de esmolas para a referida festa o obséquio de devolvê-los com a respectiva importância angariada.
Além da parte religiosa, que constava de novena e pregações, e culminaria com a imponente procissão no dia 2 de outubro, o programa trazia, também, a parte profana, que se iniciaria em 29 de setembro. Nesse dia, às 19h, no Cine Popular, localizado em frente à Matriz, houve a projeção de um filme para a população, seguido de leilão e danças. No dia 01 de outubro, véspera do grande dia, às 15h50min, a comunidade acorreu à Estação Ferroviária Rodrigues Alves para recepcionar a Banda Mamede de Campos, de Lorena, que viera abrilhantar a festa. À noite, após a novena, novamente cinema e leilão, seguidos por retreta executada por músicos da Mamede de Campos, no Coreto da Matriz.
O esperado 02 de outubro amanheceu radiante: bandeirinhas e arcos de bambu adornavam o Largo do Coreto e a ladeira da Matriz. Às 5h, a população foi acordada por estrugir de foguetes e uma alvorada, executada pela banda de Lorena. Logo aos primeiros raios de sol, foram chegando os moradores dos bairros rurais: vinham a pé, a cavalo, em carros-de-bois, em burros com jacás lotados de crianças. Famílias inteiras se deslocavam para a cidade, somando-se, no percurso, aos moradores de outras fazendas. Pela manhã, aconteceu uma partida de futebol no campo do “Piquete Foot-ball Club”. Às 11h, na igreja Matriz, foi rezada a missa solene, cantada por um “Grupo de Amadores acompanhado de Orquestra”. Pregou nessa ocasião o padre Arthur de Moura, que, ao término da missa, leu uma Provisão que anexava a Paróquia de Piquete à de Lorena. Durante o dia, de tempo em tempo, ouviam-se rojões. A criançada, agitada, corria pelas ruas. O povo animava-se em conversas e beberagens. No meio da tarde, os sinos chamavam os fiéis para o clímax da festa: a solene procissão que percorreria as ruas da cidade.
Em duas filas, as irmandades religiosas, anjinhos, andores ornamentados de vários santos, estandartes e, por último, num requinte de colorido e numa profusão de folhas, folhagens, tafetás e tules, o andor levando a imagem de São Miguel. À frente do andor, o padre e os festeiros; atrás, a banda de música. No retorno à igreja, houve um sermão, cantando o “solo ao pregador a Sra. D. Elisa Teixeira Leite de Abreu, seguindo-se a bênção do SS. Sacramento”.
As festividades terminaram com a “extração da tômbola em benefício da festa e leilão de prendas”. E, para finalizar os festejos, houve “dança na casa da festa”, quando tocou uma afinada orquestra vinda da vizinha cidade de Lorena.
Aos poucos, a população foi se dissipando. Os residentes em lugares mais distantes começaram a se retirar. Lentamente, as ruas se calaram. Os festeiros contabilizaram o saldo positivo e o padre Arthur, que passou a visitar mensalmente a paróquia, pôde iniciar o longo trabalho de reforma da Matriz.
Texto originalmente publicado no informativo O ESTAFETA, edição 118, de Novembro de 2006
Paroquia São Miguel Arcanjo: sua história em fotos
A Paróquia São Miguel Arcanjo é o cerne da comunidade católica piquetense.
Sua instituição era requisito, nos idos imperiais, para a emancipação da então Freguesia de São Miguel do Piquete. A antiga igreja matriz, hoje Igreja de São Miguel e Almas, é resultado do trabalho da comunidade, que se uniu em torno do objetivo comum: garantir um templo para a reunião dos fiéis católicos e, ao mesmo tempo, dar um passo a mais rumo à emancipação. A capela original começou a ser construída em 1864 e somente em 1891 foi finalizada, com o término das obras das duas torres. Por quase noventa anos, a “antiga Matriz”, ao seu lado o cemitério, foi o principal ponto de nosso município.
Já na década de 1960, um grupo se reuniu para a construção de uma nova matriz, mais ampla, que atendesse, especialmente, o crescente número de paroquianos.
E, assim, temos em Piquete a “Matriz Nova”, já quase cinquentenária, e a “Antiga Matriz” – nossa matriz emérita, podemos dizer… Ambas, individual e harmonicamente, estão no coração dos piquetenses católicos e têm o respeito de todos. Referências, merecem destaque em todo e qualquer trabalho que se pretenda sério sobre o município.
Organizar a exposição “Paróquia São Miguel Arcanjo: Sua história em fotos” foi-me uma profissão de fé, um resgate da memória dos que colaboraram para o crescimento e o engrandecimento da comunidade católica piquetense. As fotografias retratam a devoção de amigos, de pais e avós que lá foram batizados, receberam a Primeira Comunhão, foram crismados, se casaram… É parte de nossa história em fotografias.
Que ao conhecer parte da história da Paróquia São Miguel, lembremo-nos de nossa história!
Que a bela arquitetura de nossa Matriz de São Miguel nos inspire para entender a beleza do amor!
Que a rigidez da taipa de pilão de nossa antiga matriz nos dê força e fé para perseguir um mundo em que tolerância, compaixão e dignidade sejam abundantes!
Laurentino Gonçalves Dias Jr.
Curador e Diretor de Arte
Para saber mais sobre a Paróquia de São Miguel, acesse o nº 261 do informativo O ESTAFETA, de outubro de 2018, edição especialmente preparada para celebrar os 130 anos da Paróquia.