Indiscutivelmente, a antiga matriz de São Miguel é o mais expressivo trabalho comunitário de Piquete, vinculado a fatos pretéritos memoráveis, e mantém relação direta com a vida e a paisagem do município.
Sua construção, na segunda metade do século 19, sob a invocação de São Miguel, foi a célula mater de nossa emancipação político-administrativa. De valor histórico inquestionável para a cidade, é referência para todos os piquetenses.
Construção sólida em taipa de pilão, teve suas obras iniciadas em 1864 a partir da aprovação, pelo bispo de São Paulo, Dom Sebastião Pinto do Rego, de uma petição encabeçada por Joaquim Vieira e outros vários moradores do então Bairro do Piquete. A população participou da construção e, ao longo dos anos, da manutenção não apenas no aspecto religioso, mas também no material.
É sempre bom lembrar que toda construção precisa de manutenção periódica. Caso contrário, desmorona. O corpo principal da primitiva capela foi edificado em taipa. As torres, construídas com tijolos, foram concluídas em dezembro de 1891, quando o bairro já havia se emancipado de Lorena. Em 1927, a já velha igreja, devido à umidade e rachaduras nas paredes, passou por sua primeira grande reforma, tendo à frente o padre Arthur de Moura e uma comissão formada por Jacinto Pereira de Barros, José Vieira Soares, Anacleto Salomão e José Ribeiro da Silva. Em 1953, o vigário, Padre João Batista Serafim, a suas expensas promoveu outra reforma, quando foi retirado o arco de taipa que separava a nave principal da capela mor.
Nos anos de 1960, com a antiga matriz então pequena para a cidade, a atenção dos paroquianos se voltou para a edificação de uma nova matriz, que seria inaugurada em 27 de janeiro de 1970.
Esquecida e sem a devida manutenção, a taipa das paredes da antiga matriz já não mais aceitava rebocos. Tornavam-se necessárias providências.
Com a inauguração da nova matriz e a deterioração da antiga, já ameaçada de ruir, o vigário à época chegou a propor a demolição do antigo templo, alegando que com o funcionamento do novo, quaisquer despesas com a antiga igreja, quase em ruínas, seriam supérfluas. Houve resistência por parte de antigos moradores, que se organizaram em uma comissão pró reforma. Presidia essa comissão Ismael Marques de Almeida e dela também faziam parte José Rodrigues de Souza, Luiz Monteiro Vilela, Pedro Alves, Carlos Vieira Soares, Benedito Ramos Pinto, Antônio Luz Nunes, José Pereira, Leonel Gomes de Souza, Afonso Luiz Ferreira, Maria de Lourdes Ferreira, Ana Rodrigues Leal Freire e José da Silva Reis.
Após inúmeros trabalhos e campanhas para arrecadar recursos, as obras foram sendo concluídas: trocou-se todo o telhado, reforçou-se a taipa com paredes de tijolos. Portas, lustres e bancos foram trocados. Ficaram faltando, apesar dos esforços da comissão, os antigos sinos, que haviam sido transferidos para o campanário da nova matriz, para sua inauguração, e nunca mais voltaram para seu local original, conforme prometido.
No dia 1º de Janeiro de 1979, ocorreu o histórico acontecimento de reinauguração da antiga matriz, que passou a se chamar Igreja de São Miguel e Almas. Para esse evento, uma bem elaborada programação foi estabelecida. No memorável dia, às 6h, houve recitação do Angelus, às 12h recitação da Ave Maria, com repique de sinos e queima de fogos. Às 17h, ocorreu a cerimônia principal, com a concelebração solene pelo bispo diocesano Dom João Hipólito de Moraes, o cônego João Marcondes Guimarães e o pároco, Padre Alexandre. As dependências do templo foram insuficientes para abrigar o grande número de pessoas que participou da missa. Entre os muitos que vieram de outras cidades, dona Lili Couto, uma das destacadas testemunhas dos primeiros tempos do município de Piquete, especialmente convidada. Dona Lili era neta do Cel. José Mariano, um dos construtores da antiga capela de São Miguel.
Em sua mensagem, o padre João Guimarães manifestou sua admiração e estima pelo povo de Piquete e exaltou a figura da professora Leonor Guimarães, seu braço direito quando vigário da paróquia, em 1934.
O prefeito à época, José Armando de Castro Ferreira, falando em nome da comunidade, emocionou os presentes revivendo episódios de sua vida e homenageando o incansável sacristão José Chrispim de Meirelles, o “seu Zequinha”.
O padre Alexandre destacou o árduo trabalho da comissão de reforma, agradecendo a colaboração de todos.
Hoje, [42] anos após a última grande reforma, a Igreja de São Miguel e Almas, tombada pelo Conselho de Patrimônio Histórico do Município desde junho de 2002, é palco de missa às segundas-feiras, às 7h, e de todas as encomendações de nossos mortos. Algumas pessoas já se mobilizam para uma providencial nova manutenção.
Antônio Carlos Monteiro Chaves
Publicada No Informativo O ESTAFETA, edição 207 de Abril de 2014.
Todos os anos, ao comemorarmos nossa emancipação político-administrativa, somos convidados a fazer uma análise histórica sobre as ações comunitárias que concorreram para o amadurecimento do processo político que resultou com nossa emancipação.
A Igreja teve papel fundamental nessas ações, pois desde o início das obras de construção da Capela, esta se tornou o centro catalisador das aspirações do povo, que passou a buscar alternativas que trouxessem melhorias para o bairro do Piquete. No entanto, nos esquecemos facilmente do passado, relicário de nossas referências. E quem não tem história não tem vida, não tem referências pessoais e herança. Como diz, sabiamente, Frei Betto, dominicano, importante pensador e escritor, “esquecer é a pior forma de fazer desaparecer. Aquilo sobre o que ninguém fala, escreve, canta ou celebra em seus ritos deixa de existir. Um homem pode morrer, mas se seus descendentes guardam a memória de sua vida, de alguma forma ele sobrevive; porém, se todos o esquecem, então ele morre definitivamente.” Assim, se deixarmos tudo e todos morrerem definitivamente, não saberemos valorizar o precioso presente, presente este que entrelaça passado e futuro no dia-a-dia das experiências.
Daí a importância de resgatarmos nossa história e preservarmos o que pelos nossos predecessores foi construído. Cabe-nos exaltar o espírito comunitário que sempre norteou nossa população.
Tomemos como exemplo, a construção da Capela de São Miguel: para cumprir os preceitos religiosos, os antigos moradores do bairro do Piquete não mediam esforços: visitavam, pelo menos uma vez ao ano, a igreja da Piedade, em Lorena ou se organizavam em romarias a Aparecida. Esta religiosidade levou os moradores a se reunirem com uma petição, em 1864, visando à ereção de uma Capela no Bairro do Piquete, que foi concebida conforme consta no primeiro Livro do Tombo da paróquia de Nossa Senhora da Piedade de Lorena, p. 86-7:
“Registro d’uma Provisão constando a ereção d’uma Capella no Bairro do Piquete, nesta Parochia”
“Dom Sebastião Pinto do Rego, por mercê de Deos da Santa Sé apostólica, Bispo de São Paulo, do Conselho de Sua Magestade o Imperador, e Commendador da Ordem de Christo, etc… etc…
Aos que esta nossa Provisão virem, saúde e Benção em o Senhor.
Fazemos saber que atendendo nos ao que por sua Petição representou Joaquim Vieira Ferreira e vários moradores do Bairro do Piquete, districto da cidade de Lorena: Havemos por bem pela prezente concedermos faculdade para que possão erigir e fundar no dito Bairro uma Capella sob a invocação de São Miguel, com tanto que fique em lugar alto e livre de humidade, e tenha ambito em roda para poder andar Procissão, sendo o lugar designado pelo Muito Reverendo Parocho, na forma da Constituição do Bispado; e na mesma Capella não se poderá celebrar o Santo Sacrifício da Missa, e os demais officios divinos sem que esteja constituído o necessário Patrimônio, e sem nova Provisão Nossa para a qual precederá informação do mesmo Reverendo Parocho, sobre a capacidade e decencia da referida Capella. Esta será aprezentada ao dito Reverendo Parocho, que a registrará no Livro do Tombo da Matriz para todo tempo constar.
Dada na Camara Episcopal de São Paulo sob o Sello de Nossas Armas, e Signal do Nosso muito Rev. Dr. Provizor e Vigário Geral, aos 20 de Dezembro de mil oitocentos e sessenta e quatro. E eu o Conego Antonio Augusto de Araujo Muniz, Escrivão da Camara Episcopal, a subscrevi.”
A autorização dependia, sempre, da existência de uma povoação. O bairro já apresentava relativo adensamento comandado pelas vias de circulação. Por sua vez, a concessão exigia que a Capela estivesse construída em lugar povoado, não ermo. Assim, os moradores prestariam a necessária ajuda para tais fins. Exigia-se um edifício elevado como símbolo de autoridade, força espiritual, cabeça e centro da comunidade. Estes foram os princípios básicos da Matriz de São Miguel de Piquete. O lugar escolhido para ereção foi o alto de uma colina, às margens da Estrada de Minas.
Toda a população, por meio de mutirões, contribuiu. Rifas, quermesses e loterias foram feitas para custear as obras. Duas lideranças políticas surgiram desses encontros: o Maj. Joaquim Vieira Teixeira Pinto e o Ten. José Mariano Ribeiro da Silva, que ocuparam lugar na Câmara de Lorena, em diferentes legislaturas, sempre buscando beneficiar a comunidade de origem. O bairro se politizava. Entre as muitas reivindicações de sua comunidade estava a elevação do Bairro à Freguesia, o que aconteceu graças à Lei Provincial no 10, de 22 de março de 1875. A partir daí a Freguesia iniciou seu crescimento e articulação política, que culminou com 15 de junho de 1891.
Antônio Carlos Monteiro Chaves
Publicado no informativo O ESTAFETA, edição 41, de Junho de 2000.
Um traço marcante da espiritualidade de nós, piquetenses, que vem dos primórdios de nosso povoamento, é a devoção a São Miguel Arcanjo, árbitro das almas do purgatório.
A devoção a São Miguel foi muito difundida na América portuguesa, personificando a luta entre o Bem e o Mal. Chegou ao vale do Paraíba com os primeiros colonizadores e se difundiu. Essa devoção fez com que, no início dos setecentos, a 6 de maio de 1719, fosse instituída na Freguesia de Nossa Senhora da Piedade (Lorena) a Irmandade de São Miguel, cujo compromisso foi aprovado por D. Francisco de São Jeronymo, bispo diocesano do Rio de Janeiro. Em 1852, houve reforma desse compromisso. Por essa época, a devoção a São Miguel Arcanjo já havia chegado ao bairro lorenense do Piquete, cuja população, para cumprir os preceitos religiosos, se deslocava até a Vila de Lorena. Assim, os piquetenses passaram a pleitear junto às autoridades eclesiásticas autorização para construção de uma capela no bairro. Em 1864, por meio de uma petição conseguem de D. Sebastião Pinto do Rego, bispo de São Paulo, provisão que autorizava a construção de uma capela no bairro, sob a invocação de São Miguel, com a condição de que deveria se localizar em lugar alto e livre de umidade, e que tivesse espaço ao redor para procissões. O local escolhido foi uma colina às margens do Caminho de Minas, junto a um adensamento populacional. Os moradores passaram, a partir de então, a se reunir, discutindo a melhor maneira para execução das obras. Tomaram a frente dos trabalhos o Ten. Joaquim Vieira Teixeira Pinto e José Mariano Ribeiro da Silva, apoiados por moradores dos quarteirões: Posses, Ronco, Itabaquara Acima, Ribeirão Vermelho, Serra do Itajubá, Serra dos Marins, Passa Quatro, Leais, Gonçalves e Godoy.
A força aglutinadora da Fé e a devoção a São Miguel impulsionavam a todos que sonhavam ver a capela de seu padroeiro construída. Escravos taipeiros passaram a pilar as grossas paredes de terra da capela. À medida que as paredes cresciam, aumentava a expectativa dos moradores para com o término das obras. Ao mesmo tempo, articulava-se a elevação do bairro à condição de Freguesia, o que veio a acontecer em 22 de março de 1875, quando a igreja se encontrava quase pronta: simples e pobre, sem adornos, sem as torres laterais. Nesse mesmo ano, construiu-se o cemitério e as cerimônias fúnebres passaram a ser realizadas na Capela, que, mesmo sem padre colado, aglutinava a população para orações e reuniões comunitárias. Em 7 de outubro de 1888 criou-se a Paróquia de São Miguel do Piquete, sendo nomeado seu primeiro pároco o Pe. Francisco Fillipo.
A população aspirava à emancipação do bairro. Era preciso, então, uma matriz. O Comendador Custódio Vieira da Silva, proprietário da Fazenda da Estrela, construiu, nas proximidades da igreja, uma olaria para a construção das torres laterais. Em 15 de junho de 1891 ocorreu a emancipação político-administrativa do bairro e na Matriz foram realizadas cerimônias solenes. No Natal desse mesmo ano concluíram-se as torres.
A antiga Matriz de São Miguel é para os piquetenses o seu maior símbolo. Todos os eventos significativos do município ocorreram nela, ou nas suas adjacências. Ela faz-se presente no acervo iconográfico da Fundação Christiano Rosa. Nela nossas tradições religiosas foram intensamente fotografadas: procissões, casamentos, batizados, primeiras comunhões e situações de convivência propiciadas pela Igreja. Em cada fotografia, resgatam-se as micro histórias pertinentes a ela e a muito de nossa memória.
A Capela de São Miguel e Almas, nossa antiga matriz, foi, no passado, e continua, no presente, nossa maior referência histórico-religiosa. Por sua importância, foi tombada pelo Conselho Municipal do Patrimônio Histórico, em 2002.
Antônio Carlos Monteiro Chaves
Publicado no informativo O ESTAFETA, Edição 261, de outubro de 2018.
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