Um domingo inusitado…
Foi num domingo ensolarado de 1950 que, pela primeira vez, um avião pousou em terras piquetenses.
Sob grande expectativa e curiosidade, a população, desde cedo, tinha os olhos voltados para o Santo Cruzeiro e tentava ouvir sons que denunciassem alguma aeronave. De repente foi um corre-corre: apareceu o primeiro aeroplano. Eram três. Sobrevoaram a cidade fazendo evoluções, aguçando ainda mais a curiosidade da população.
Anichado aos pés da Mantiqueira, o nosso município, visto do alto, parece um mar de morros, o que não oferece condições de segurança para perfeitas aterrissagens e decolagens. Mas não é que, após evoluções pelo espaço aéreo piquetense, o primeiro avião pousou no morro do cemitério, seguido do segundo e do terceiro, para espanto dos céticos e alegria dos intrépidos pilotos.
Tudo começou com um desafio feito ao jovem Agenor Ferreira, piloto no Aeroclube de Guaratinguetá, que constantemente sobrevoava nossa cidade. Certa vez, após ter narrado uma viagem ao sul de Minas, onde pousara em lugar de geografia semelhante à nossa, foi convidado a repetir a façanha em Piquete. Procurou o secretário da Câmara, José Salomão e após anuência do Prefeito Municipal, Sr. Luiz Vieira Soares, saíram à procura de terreno que menos riscos oferecesse a aterrissagens. O nosso piloto optou pelo morro contiguo ao cemitério, terreno de acentuado aclive, propriedade do Sr. Zeca Ferreira, que, de imediato, concordou com o evento.
A edilidade e o povo aguardavam, ansiosos, o grande dia.
Providenciou-se o preparo da pista: roçou-se o pasto e sinalizou-se o campo de pouso. Birutas indicavam a direção do vento.
No dia determinado lá estavam autoridades civis e eclesiásticas: o Sr. Prefeito Municipal, os vereadores Christiano Alves da Rosa, Luiz Arantes Júnior, José Penha de Andrade e José Moreira da Silva; o capelão do Hospital da F.P.V., Padre Romeu, e o Sr. Zeca Ferreira. Centenas de pessoas se acotovelavam para presenciar o espetáculo.
Aos mais corajosos foi proporcionada a oportunidade de uma viagem de poucos minutos sobre a cidade. Logo uma longa fila formou-se; todos queriam contemplar do alto a nossa paisagem.
A cada aterrissagem ou decolagem, uma nuvem de poeira envolvia os espectadores, que não arredavam pé e ovacionavam os denodados pilotos.
A todos foi oferecido suculento churrasco. Foi tanta carne, que muitos levaram bons nacos para casa. Esse dia ficou perenizado em oito fotografias, expostas, durante bom tempo, no bar do Sr. José Moreira da Silva. Elas são o registro de um domingo inusitado que alterou a vida rotineira do nosso povo.
Texto, publicado originalmente na coluna Imagem-Memória do informativo O ESTAFETA, da Fundação Christiano Rosa, edição 15, de abril de 1998.
Campo dos Sonhos
O morro acima do cemitério serviu de aeroporto para teco-tecos. Foi num domingo de julho de 1950, dia da decisão da copa do mundo de futebol. O Rio de Janeiro fervilhava em festas e Piquete, de manhã gostosa, brisa envolvente e sol ameno, esperava as aeronaves.
Na frente, chegaram os roncos dos motores e sobre o Santo Cruzeiro, rompendo o espaço, três teco-tecos surgiram, empolgantes, majestosos, serenos. Abanando as mãos, o povo sorria.
Para cumprimentar a cidade, os aviões dispersaram-se; cada piloto iniciou acrobacias incríveis: folhas-secas, “loopings”, “reverses” e parafusos. Ninguém tirava os olhos do céu.
Um deles, numa grande trajetória, preparou-se para pousar. A barreira questionável era o muro que cercava o cemitério; transpondo-a, sestar-se-ia na pista. O vento dos motores rodopiou os galos da Matriz e o relógio marcou o fato.
Lá em cima, desfazendo-se dos óculos e arrumando os cabelos, com sorriso de vitória, Agenor Ferreira, o “Norinho”, conseguiu a façanha. Seu sonho de rapazola fora realizado.
Com passeios panorâmicos, o dia foi festivo: os mais ousados conheceram a cidade, do alto. Voando, ratificaram a beleza da paisagem: o azulado da Mantiqueira, os cursos sinuosos dos rios e o verde dos campos.
A tristeza dos piquetenses em perder a copa do mundo foi suavizada com o estrondear dos monomotores dos teco-tecos.
Crônica de Edival da Silva Castro, cunhado do piloto Agenor Ferreira, publicada originalmente no informativo O ESTAFETA, Edição 42, de Julho de 2000.
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