O Barão da Bocaina, o Sanatório e a Vila de São Francisco dos Campos
No alto da Mantiqueira, com uma belíssima vista do Vale do Paraíba, podem ser encontrados lugares que fazem parte da história de Piquete e reverenciam o nome de Vicente de Paula de Azevedo, o Barão da Bocaina.
Os textos abaixo contam parte dessa história que tem muito a ver com o turismo tão desejado na atualidade…
O Barão da Bocaina e o progresso da Vila Vieira do Piquete
Personagem da história de Piquete que deve ocupar, com destaque, um espaço em nossa memória e ser reverenciado como um dos principais responsáveis pelo nosso crescimento e desenvolvimento no início do século XX é o lorenense Francisco de Paula Vicente de Azevedo, o Barão da Bocaina.
Homem de ação e visionário, o Barão da Bocaina empenhou-se, no final do século 19, em trazer progresso para nossa região. Ao término das últimas décadas dos oitocentos, a lavoura cafeeira valeparaibana entrou em decadência devido à exaustão do solo decorrente de práticas agrícolas errôneas agravada com a libertação dos escravos. Ocorreu uma crise econômica em todo o vale do Paraíba ocasionando êxodo da população rural e empobrecimento das cidades.
Foi nesse período de dificuldade financeira que se deu a emancipação político-administrativa do bairro rural de Piquete.
Àquela época, o Barão da Bocaina, retornando de viagem à Europa, empreendeu um grande projeto de construir, em terras que adquirira em 1891 nos Campos do Jordão – altos da Mantiqueira, uma povoação nos moldes das existentes na Suiça. Fez levantamentos e estudos para escolha do local mais apropriado para fundar uma estância climática. Escolheu a sede da fazenda de São Francisco, nos Campos do Jordão, a 1.600 metros de altitude, local de difícil acesso.
Promoveu, inicialmente, a vinda de ilustres profissionais da época, com a finalidade de orientar a implantação do empreendimento. Lá estiveram, entre outros, Henrique Schaumann e, em janeiro de 1893, Theodoro Sampaio.
Em 2 de abril de 1894, a povoação foi inaugurada com a benção da capela de São Francisco de Paula. Considerada a primeira estância climática do Brasil, a vila de São Francisco dos Campos do Jordão, quando fundada, compunha-se de hotel, escola, lojas e agência do correio, mais de duas dezenas de chalés, tendo no centro um grande largo ajardinado.
Essa localidade alcançou, nos últimos anos do século passado, grande notoriedade, registrando avultada frequência. Lá estiveram Presidentes (o atual governador) de São Paulo, ministros de Estado e até o futuro presidente da República, Marechal Hermes da Fonseca.
Com a inauguração de São Francisco, houve aumento de hóspedes no antigo Hotel das Palmeiras, propriedade do tenente José Mariano Ribeiro da Silva, na Vila Vieira do Piquete. Muitos visitantes, impossibilitados de continuar a viagem através da serra em virtude de mal tempo ou cansaço, permaneciam no Piquete, dando vida à nova Vila.
O Hotel das Palmeiras passou a ser ponto de reunião e recreio para a alta sociedade de São Paulo e Rio de Janeiro, que passou a procurar Piquete para “tratamento de ares”.
A iniciativa pioneira do Barão da Bocaina, apesar do empenho, propagandas e afluxo das sociedades carioca e paulistana a São Francisco, foi prematura para o tempo em que foi lançadas; sucumbiu devido à crise financeira de 1900 e à dificuldade de acesso a São Francisco pela estrada do Benfica.
Em dezembro de 1901, estando o Barão da Bocaina no Rio de Janeiro, tomou ciência, por meio da imprensa, do término dos trabalhos da comissão nomeada pelo Ministério da Guerra par escolha do local para construção de um sanatório militar e de uma fábrica de pólvora sem fumaça.
Pretendendo também povoar a região de São Francisco, o Barão da Bocaina procurou pessoalmente o Marechal Mallet, então Ministro da Guerra, e, após mostrar-lhe as vantagens da zona de Lorena, Piquete e Sul de Minas, onde ele possuía largas extensões de terra, ofereceu gratuitamente ao Governo Federal áreas para a construção daqueles estabelecimentos.
O Marechal Malllet, de imediato, aceitou as doações e marcou uma viagem, com grande comitiva, para visitar as terras e as propriedades do Barão da Bocaina.
Aos 11 de fevereiro de 1902, o Ministro da Guerra e uma comissão de técnicos chegaram a Lorena, onde foram recebidos pela municipalidade. Partiram, a seguir, para a Vila do Piquete, que se engalanou para receber as mais altas autoridades do Exército, sendo hospedados pelo Tenente José Mariano no Hotel das Palmeiras. No outro dia, dirigiram-se para as terras do Barão da Bocaina. Escolheram o terreno para o Sanatório, em Lavrinhas, perto de São Francisco, no Sul de Minas, e para a fábrica de pólvora, no Benfica, pouco além de Piquete, ainda no estado de São Paulo.
Como complemento, foi organizada a Comissão de Engenharia, incumbida da construção do “Ramal Férreo Lorena-Benfica”.
Posteriormente, vantagens de ordem técnica motivaram a construção da fábrica de pólvora em terras da Fazenda da Estrela, dos herdeiros do Comendador Custódio Vieira da Silva, continuando o sanatório no local originariamente escolhido. As obras do ramal férreo e do sanatório tiveram início imediato.
Em dezembro de 1902, com a inauguração do primeiro trecho do ramal férreo Lorena-Benfica, a Câmara Municipal de Lorena, em sessão solene, proclamou o Barão da Bocaina grande benfeitor da cidade, tendo na mesma ocasião idêntico procedimento a Câmara Municipal de Piquete. Homenagearam-no também dando seu nome a uma importante rua de Lorena, o mesmo acontecendo em Piquete, que nomeou a avenida da entrada da cidade de “Barão da Bocaina”.
A Francisco de Paula Vicente de Azevedo devemos a arrancada de progresso experimentado por Piquete e região no início do século. Homem de visão, sempre esteve à frente de sua época quando criou a primeira estância climática turística do país. Graças a São Francisco dos Campos e, mais tarde, às obras militares, nossa cidade deixou de se incluir no rol das “cidades mortas”.
Publicado originalmente, na edição 04, Maio de 1997, do informativo O ESTAFETA.
O Sanatório Militar de São Francisco dos Campos do Jordão
Ciente de que o governo de Campos Salles daria início a um amplo projeto de modernização do Exército, no qual estava prevista a construção de uma fábrica de pólvora sem fumaça e de um sanatório militar para tuberculosos, o Barão da Bocaina (Francisco de Paula Vicente de Azevedo) ofereceu gratuitamente ao governo federal terras em suas propriedades de São Francisco dos Campos e no Bemfica, para a instalação desses empreendimentos.
Em 1893, o Barão da Bocaina havia inaugurado a Vila de São Francisco dos Campos, na parte norte dos Campos do Jordão, no alto da Mantiqueira. Pretendia povoar essa região atraindo para lá colonos de outros países. Para melhor conhecê-la e divulgá-la, promoveu a vinda de renomados estudiosos, que constataram a riqueza do lugar, a abundância de águas e madeiras, a exuberância da paisagem e, principalmente, a excelência do clima. Localizada numa altitude de 1700m, era considerada a região mais saudável do Brasil, desfrutando de clima frio e seco, especialmente entre os meses de maio e setembro. Especialistas apontavam que nenhum lugar do país oferecia aos atacados por moléstias pulmonares condições mais benéficas para tratamento do que os campos elevados da Mantiqueira. A esse respeito assim se exprimiu o ilustre clínico Dr. Luiz Pereira Barreto: “A meu ver, os campos do Jordão constituem uma estação sanitária de inestimável preço. É nas moléstias do peito, nos tuberculosos pulmonares, que se mostra soberana a ação do clima dos campos do Jordão. Não temos palavras para exaltar a grandeza deste precioso recurso, quando se trata de uma medonha moléstia perante a qual a medicina está completamente desarmada”. Provavelmente, este foi um dos argumentos usados pelo Barão da Bocaina para trazer o Ministro da Guerra de Campos Salles, Marechal João Nepomuceno de Medeiros Mallet, e uma comitiva para conhecer a região de Piquete e São Francisco dos Campos, em janeiro de 1902. Após três dias de visita técnica, decidiu-se pela construção do sanatório militar na planície de Lavrinhas, no norte dos Campos do Jordão, e da fábrica de pólvora na região da Fazenda do Bemfica. Esse sanatório era uma enfermaria militar especial destinada a tratamento higiênico-dietético e farmacêutico dos oficiais e praças do Exército afetados por tuberculose de forma clínica, julgada curável ao influxo do clima do lugar.
Como era conveniente ligar, por estrada de ferro, a fábrica de pólvora à Central do Brasil, o ministro constituiu, sob a direção do Cel. Belarmino de Mendonça, a “Comissão de Construção do Ramal Férreo Lorena-Bemfica” e, sob direção do Ten. Cel. Teixeira Maia, a “Comissão do Sanatório Militar dos Campos do Jordão”.
Para a construção do sanatório, foram imediatamente destacados quatorze operários do Arsenal de Guerra e mais quarenta praças, que iniciaram, de imediato, os trabalhos, em 24 de fevereiro de 1902. O Decreto nº 4663, de 12 de novembro de 1902, aprovou o regulamento especial para seu adequado funcionamento, tendo em vista a localização isolada. As obras avançaram rapidamente, de maneira que, em poucos anos, um complexo hospitalar estava em construção no alto da Mantiqueira. No ano de 1904, havia sido construída uma enfermaria, quatro galpões para moradia de oficiais e um quartel do destacamento, além de pavilhão de madeira para depósito de medicamentos, uma caixa d’água, uma olaria, preparo de uma pedreira, reparação da estrada entre Piquete e Lavrinhas e plantio de árvores frutíferas. No final de 1905, estavam construídos passadiços ligando os edifícios, varandas em arcos todas ladrilhadas, com gradis de ferro numa extensão de 97m. As obras do ano de 1906 consistiram na construção de um edifício destinado à cozinha e outro à casa de administração. A inauguração do Sanatório aconteceu em 10 de janeiro de 1908. A partir de então, a Comissão Construtora ocupou-se com trabalhos de campo e escritório, entre os quais o projeto da estrada. O serviço de transporte era feito de Lorena a Piquete pelo ramal férreo; daí até o Sanatório, seguia-se por meio de cargueiros e carretas puxadas por bois.
Com a mudança do local destinado à instalação da fábrica para as fazendas Sertão, Limeira e Estrela do Norte, o ramal férreo não chegou até o Bemfica, próximo ao sanatório. Pelas dificuldades de acesso, o sanatório acabou por ter curta duração, deixando de funcionar poucos anos depois.
Publicado originalmente, na edição 112, de Maio de 2006, do informativo O ESTAFETA.
2 Comments
Parabéns ao nobre Laurentino Gonçalves pelo empenho e carinho pela história da querida cidade paisagem cidade da qual viv minha adolescência estudando no Antogo João Guimarães Rosa .
Onde o nosso saudoso é querido Chico máximo, então secretário na época se empenhou em ajudar de todas as formas para que nós jovens do Bairro do Quilombo pudéssemos estudar com passes de ônibus gratuito fornecido pelo governo da época
A ilustre Laurentino um forte abraço e sucesso em sua jornada .
Olá, João Bosco.
Chico Máximo sempre mencionava o grande carinho que nutria por você.
Em meu nome (Laurentino) e em nome da Fundação Christiano Rosa, agradeço-lhe as palavras. Pode aguardar muitas ações da Fundação.
Forte abraço!