A estrada Lorena – Piquete – Itajubá
Se hoje, com toda a tecnologia, as estradas brasileiras estão sempre necessitando de reparos e gerando as mais diversas críticas por parte dos usuários, fácil imaginar como eram as vias de comunicação nos séculos passados.
Piquete surgiu e cresceu às margens do Caminho de Minas, aberto no século 18, ligando o Vale do Paraíba com o Sul de Minas. Por aí, no lombo de mulas, escoava grande parte da economia sul-mineira em busca de mercados valeparaibanos e fluminenses. Com o crescente aumento do tráfego das tropas de mulas, pioraram, proporcionalmente, as condições desse Caminho. Durante todo o século 19, foram inúmeros os ofícios e pedidos de recursos por parte da Câmara de Lorena junto ao governo provincial, para a melhoria dessa estrada, principalmente no trecho da serra.
Com a emancipação político-administrativa de Piquete, em 1891, as queixas dos usuários desse Caminho passaram a ser feitas diretamente aos administradores piquetenses. Essa estrada, cada vez mais movimentada, mal se prestava para as tropas, muito menos para carros. Se no estio dava passagem, na época das chuvas tornava-se intransitável. Os desmoronamentos de encostas eram frequentes e o trânsito muitas vezes interrompido. As poucas pontes de madeira sobre o Bemfica encontravam-se quase sempre apodrecidas e perigosas, principalmente no período das cheias.
No início do século 20, Piquete recebeu a visita do eminente engenheiro Euclides da Cunha, inspetor de obras, que, após estudos sobre as condições de nossa estrada, fez sugestões ao governo do Estado para a sua melhoria. Com o advento de veículos motorizados, essa estrada interestadual precisou ser adaptada e ampliada, para que seu leito se tornasse transitável. Do lado mineiro, a Câmara de Itajubá esforçava-se junto ao governo de seu estado para que as melhorias atingissem o alto da serra. Do lado de São Paulo, tanto Piquete quanto Lorena buscavam apoio junto ao governo paulista.
Antes do asfalto, viajar por essa estrada era uma verdadeira epopeia. Em tempo de chuva era ainda pior, sobretudo no trecho da Mantiqueira. Carros atolavam no barro até o para-lama ou patinavam, mesmo com pneus revestidos de correntes. Não raro, careciam de juntas de bois para serem arrancados do lamaçal, perdendo-se, às vezes, dois ou mais dias nessa operação.
Articulações políticas de deputados mineiros e paulistas somavam esforços no intuito da melhoria dessa estrada. Por São Paulo, o lorenense Arnolfo de Azevedo. Por Minas, Teodomiro Santiago e José Braz Pereira Gomes. Em meados de 1929 foi divulgada a notícia de que, por iniciativa de Júlio Prestes, presidente de São Paulo, já estava acertada a construção da rodovia Itajubá – Lorena. Os trabalhos foram iniciados em 1931, contando com a cooperação das prefeituras de Piquete e Itajubá e do 4º Batalhão de Engenharia de Combate sediado na ponta mineira da estrada. Esses trabalhos foram paralisados em 1932, devido à Revolução Constitucionalista. Após novas articulações, em 1934, foram reiniciados. O prefeito de Piquete à época, Lydio de Souza Santos, considerando que a ligação do município com o Sul de Minas traria grandes benefícios, desapropriou uma área de 3 km de comprimento por 6 m de largura da Fazenda Conceição, no Bemfica, para a obra. Assim, 20 de outubro do mesmo ano foi a data oficial do reinício das obras da estrada. Esse acontecimento foi solenizado com uma caravana de automóveis chefiada pelo prefeito de Itajubá, José Rodrigues Seabra, e de Lorena, Geraldo Oliveira Braga. Como o trecho piquetense era o mais crítico do projeto, a cerimônia aconteceu aos pés da serra, no bairro da Tabuleta. Além das comitivas de Lorena e Itajubá, o evento contou com a presença do prefeito Lydio de Souza, vereadores, oficiais da Fábrica de Pólvoras e inúmeros convidados que, após as “picaretadas simbólicas” iniciais, foram recebidos com almoço no Hotel das Palmeiras.
O trecho do alto da serra até Piquete, asfaltado, como conhecemos hoje, só foi concluído nos anos 40. Até então, a estrada cortava toda a cidade.
Texto de Antônio Carlos Monteiro Chaves
Publicado originalmente no informativo O ESTAFETA, edição 105, de outubro de 2005.
O trabalho das mulas na abertura da rodovia Lorena-Itajubá
“Governar é abrir estradas”. Atribuída ao ex-presidente Washington Luiz, essa frase visava a expandir a malha rodoviária com vistas ao crescimento e interiorização do país.
No decurso da história, os modos de traçar, construir e conservar estradas sofreram transformações expressivas fornecendo provas da engenhosidade humana. Hoje, com tecnologias modernas, grandes máquinas manobradas por um só homem executam tarefas que até há bem pouco tempo eram feitas por um batalhão de operários.
Historiando a origem das primitivas estradas que cortavam o Vale do Paraíba – muitas das quais deram origem a modernas rodovias –, constatamos que a maioria foi aberta seguindo antigas trilhas indígenas. Sem nenhum traçado, acompanhavam as sinuosidades do terreno procurando sempre os vales e as gargantas. Eram caminhos simplesmente indicados na paisagem, marcados pela frequência do trânsito de pessoas e animais. Como não havia consolidação do leito do terreno destinado ao tráfego, nem valetas laterais ou cortes para desviar as águas das chuvas, essas estradas estavam sempre em precário estado, necessitando de manutenção.
Piquete surgiu e cresceu às margens de um desses antigos caminhos que cortava a Mantiqueira. Antes da chegada do asfalto, percorrê-lo era uma aventura perigosa, principalmente no trecho da serra. As queixas e reclamos de tropeiros e transeuntes eram constantes. Para estes, a viagem era uma aventura, mais ainda nos tempos das chuvas. Desde o século 19, as Câmaras municipais de Lorena e Itajubá cobravam dos governos provinciais recursos para sua manutenção. Quase toda a produção do Sul de Minas escoava pela Mantiqueira através dela, de modo que era crescente o número de tropas e cargueiros que a percorriam.
Com a chegada dos primeiros automóveis no início do século 20, a estrada ficou em estado calamitoso. Nas chuvas, os carros atolavam no barro ou patinavam desgovernados, embora com pneus revestidos de correntes. Na década de 20, os governos de São Paulo e Minas Gerais pleiteavam a construção de uma nova e moderna estrada. Em meados de 1929 foram divulgadas notícias de que, por iniciativa de Júlio Prestes, então Presidente de São Paulo, e dos deputados mineiros Theodomiro Carneiro Santiago e José Brás Pereira Gomes, estava certa a construção da rodovia Lorena – Itajubá. Os traçados e estudos foram feitos pelo engenheiro Luís Goulart de Azevedo e os trabalhos iniciados em 1931, a partir de Itajubá, pelo 4º Batalhão de Engenharia de Combate. Em 1932, durante a Revolução Constitucionalista, as obras foram interrompidas e tropas federais ocuparam trechos já preparados. Somente em 1934 foram reiniciadas. Era na Mantiqueira que os operários encontravam maiores dificuldades. Para o trecho de serra em Piquete foram contratadas centenas de homens, apelidados “arigós”, de diferentes empreiteiras.
A falta de maquinaria e a dificuldade do terreno exigiram que os trabalhos fossem feitos com ferramentas simples – enxadas, alviões ou enxadões, picaretas, alavancas, bimbarras. Blocos de pedras foram removidos com cunhas e pólvora. Os grandes auxiliares dos homens foram os muares: centenas de animais trabalhavam retirando terra e pedras das frentes de trabalho. É fato conhecido que dois burros bem manejados são potencialmente capazes de fazer o trabalho de um trator de 50 HP. Enquanto este último tem alto custo, um burro ou mula, mansos, saudáveis e treinados em puxar carreto, têm preço muito menor. Com melhor adaptação e mais agilidade que o trator em terrenos de topografia montanhosa, o burro dispensa diesel, pneus, oficinas, peças de reposição e mão-de-obra especializada, que é o tratorista. Tudo isso com um pequeno consumo diário de capim e porções de milho e durante uma vida útil de vinte anos ou mais, se bem tratado. A tração animal na abertura da rodovia Lorena – Itajubá foi bem utilizada. Muitos se recordam de como os animais eram bem adestrados. Depois de pouco tempo de treinamento e com as carroças cheias, iam até o local onde pedras e terra eram despejadas. Eram, diariamente, centenas de viagens. Assim foi vencido o trecho da Mantiqueira.
Texto de Antônio Carlos Monteiro Chaves
Publicado originalmente no informativo O ESTAFETA, edição 166, de outubro de 2010.
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